Entendendo o Confisco Alargado de Bens
Aracaju - 25/01/2021
Por: Eraldo Ribeiro Aragão Silveira
Após a reforma implementada pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime), foi introduzido ao Código Penal o art. 91-A, inserido no capítulo sobre “Efeitos da Condenação”, o instituto denominado Confisco Alargado de Bens, cuja redação, para melhor compreensão, segue abaixo transcrita:
Art. 91-A. Na hipótese de condenação por infrações às quais a lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão, poderá ser decretada a perda, como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito
§ 1º Para efeito da perda prevista no caput deste artigo, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
§ 2º O condenado poderá demonstrar a inexistência da incompatibilidade ou a procedência lícita do patrimônio.
§ 3º A perda prevista neste artigo deverá ser requerida expressamente pelo Ministério Público, por ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada.
§ 4º Na sentença condenatória, o juiz deve declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda for decretada.
§ 5º Os instrumentos utilizados para a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser declarados perdidos em favor da União ou do Estado, dependendo da Justiça onde tramita a ação penal, ainda que não ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.
Foto: Sasun Bughdaryan/Unsplash
Como efeito da condenação, o confisco alargado ocorrerá na hipótese de sentenças cujos crimes possuam pena máxima em abstrato superior a 06 (seis) anos, tendo, como efeito, a perda como produto ou proveito do crime, dos bens correspondentes à diferença entre o patrimônio do condenado e aquele que seria compatível com seu rendimento lícito.
O instituto, seguindo a tendência da “patrimonialização” do Direito Penal, em que se busca, cada vez mais, a asfixia financeira de grandes organizações criminosas, é por demais controverso, uma vez que ataca patrimônio que não possui relação direta com o proveito do crime pelo qual o sujeito foi condenado.
Isto é, o confisco alargado de bens dispensa a relação instrumental ou de origem com o crime pelo qual o indivíduo foi condenado, bastando, apenas, a demonstração de que o sentenciado possui um patrimônio incompatível com o seu rendimento lícito.
Diferente, portanto, do confisco tradicional, insculpido no art. 91 do Código Penal, em que a perda recai sobre os instrumentos ou produto do crime, existindo, assim, uma relação de causa e efeito com a infração penal pela qual o agente foi sentenciado.
Desse modo, nos moldes do § 1º do art. 91-A, para efeito da perda, entende-se como patrimônio do condenado aquele de sua titularidade ou em relação ao qual ele tenha domínio ou benefício e aqueles transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação até mesmo irrisória.
Contudo, o condenado poderá demonstrar a origem lícita do patrimônio confiscado ou a inexistência de incompatibilidade com seus rendimentos lícitos, a fim de evitar o confisco (§ 2º). Nesse contexto, há quem defenda que há uma inversão do ônus da prova, na medida em que seria do condenado a “obrigação” de demonstrar a origem lícita do patrimônio e não da acusação de apontar que os bens são frutos de crime.
Renato Brasileiro de Lima , porém, afirma, sobre a temática, que:
“De nossa parte, reputamos inviável qualquer inversão do ônus da prova quanto à incompatibilidade da evolução patrimonial do condenado, sob pena de evidente violação à regra probatória que deriva do princípio constitucional da presunção de inocência (in dubio pro reo). Impõe-se, pois, pois, uma interpretação conforme do art. 91, § 2º, do Código Penal, incluído pelo Pacote Anticrime, para que se possa concluir que não é o acusado que tem que comprovar a compatibilidade do seu patrimônio real com o seu rendimento declarado. Pelo contrário. É da acusação o ônus de comprovar o incremento patrimonial significativo do acusado e a incompatibilidade com as suas fontes de renda, não sendo suficiente, portanto, a mera condenação por infração à qual a Lei comine pena máxima superior a 6 (seis) anos de reclusão”.
De qualquer forma, na esteira do § 3º do dispositivo, o Ministério Público, desde a denúncia, deverá requerer, expressamente, a aplicação do confisco alargado, com a indicação da diferença apurada, possibilitando, assim, que o acusado, desde o início da ação penal, possa exercer satisfatoriamente a ampla defesa e o contraditório, a fim de, eventualmente, afastar a imputação patrimonial do órgão acusador.
Por ser norma de Direito Penal, a perda alargada apenas se aplica às condutas praticadas depois da entrada em vigor da Lei, a qual se deu no fim de janeiro de 2020.
Desse modo, o instituto do confisco alargado, embora controverso, recentemente introduzido pelo Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19), surge com o intuito de combater as organizações criminosas numa nova frente, vale dizer, em seu patrimônio, visando, com isso, enfraquecer e asfixiar financeiramente a criminalidade organizada.
Eraldo Ribeiro Aragão Silveira
Especialista em Direito Processual Penal (IBMEC/SP) e Pós-Graduando em Direito Penal Econômico
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