Análise da Lei 14020/2020 que institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda
Aracaju - 10/07/2020
Por: Cristiana Nascimento
Sabe-se que a pandemia do COVID-19 gerou uma grande crise biológica, política, social e econômica no mundo contemporâneo. Este vírus que tem um grande poder de contágio de forma agressiva conhecido cientificamente por SARS-CoV-2 ou COVID-19, pode levar até a morte.
Com o aumento do número de infectados, o país adotou medidas emergenciais de isolamento social, porém, tais medidas trouxeram muitas incertezas aos trabalhadores quanto à manutenção e às alterações nos contratos de trabalho.
Portanto, em abril de 2020 foi aprovada a criação da Medida Provisória 936/20 que instituiu o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, autorizando os empregadores, temporariamente, a reduzir salários e jornadas (por até 90 dias) ou suspender contratos de trabalho (até 60 dias), com direito à estabilidade temporária do empregado e recebimento de benefício emergencial pago pelo governo.
Ocorre que, com a continuidade do estado de calamidade pública, em 06 de julho de 2020, o presidente Jair Bolsonaro sancionou, a Lei 14.020/20, que teve sua versão decorrente da Medida Provisória 936/2020, trazendo mudanças e respostas diante das incertezas e estabelecendo também medidas complementares para enfrentamento deste estado.
As medidas estabelecidas nesta lei serão aplicadas aos trabalhadores da iniciativa privada, incluindo os empregados domésticos, aprendizes, jornada parcial e trabalhadores rurais.
Não serão aplicadas aos órgãos da administração pública direta e indireta, empresas públicas ou sociedades de economia mista, aos trabalhadores em gozo de benefício de prestação continuada do Regime Geral de Previdência Social ou dos Regimes Próprios de Previdência Social, do seguro-desemprego em qualquer modalidade e bolsa de qualificação profissional.
Será vedada a dispensa sem justa causa do empregado com deficiência.
Já os trabalhadores intermitentes gozarão das medidas. No entanto, não haverá acumulação quando o empregado tiver mais de um vínculo ou pagamento de outro auxílio emergencial.
A lei permite a criação de condição para acordo individual escrito com o empregado aposentado, ou seja, adota-se medida de implementação da redução proporcional de jornada de trabalho e de salário ou suspensão temporária do contrato de trabalho quando estiver nas hipóteses de autorização do acordo individual de trabalho, e quando houver o pagamento, pelo empregador, de ajuda compensatória mensal.
Vejamos agora as principais temáticas que compõem a referida lei:
Aplicabilidade da lei nos acordos realizados sob égide da MP 936 /20
A lei traz a regra do direito intertemporal, ou seja, os acordos celebrados por negociação coletiva ou individual com base na Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, continuarão sendo regidos por ela.
Assim, com as regras da lei 14020/2020, se houver celebração de instrumento coletivo com clausulas conflitantes aos do acordo individual, observar-se-á a partir da entrada em vigor da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a prevalência das condições estipuladas na negociação coletiva, naquilo em que conflitarem, salvo se as condições estipuladas no acordo individual forem mais favoráveis ao empregado.
Redução de jornada e Suspensão do Contrato de Trabalho
O artigo 7º dispõe que empregador poderá acordar a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário de seus empregados, por até 90 (noventa) dias, prorrogáveis por prazo determinado em ato do Poder Executivo.
Quanto à suspensão, o artigo 8º desta lei estabelece que o empregador poderá acordar pelo prazo máximo de 60 (sessenta) dias, fracionável em 2 (dois) períodos de até 30 (trinta) dias, podendo também ser prorrogado por prazo determinado em ato do Poder Executivo.
Em ambos os casos, houve uma medida aclaratória em relação a versão da MP 936/2020, pois o empregador pode direcionar a redução ou suspensão conforme a sua necessidade, ou seja, direciona a um setor, departamento, podendo suspender parcial ou totalmente os postos de trabalho.
Vale lembrar que apesar da lei estar em vigor, o ato de prorrogação da redução e suspensão terá que ser mediante decreto pelo Poder Executivo, que deverá ser assinado nos próximos dias.
Além disso, durante o período de redução ou suspensão fica autorizado a contribuir para o Regime Geral de Previdência Social na qualidade de segurado facultativo, na forma estabelecida no artigo 20 em que aponta as alíquotas de aplicação progressiva.
Ajuda compensatória
O valor da ajuda deverá ser definido em negociação coletiva ou acordo individual por escrito, sendo de natureza indenizatória, observando que não integrará a base de cálculo no Imposto sobre Renda, contribuição previdenciária, os tributos que incidem sobre a folha de salários e por fim, o valor dos depósitos de FGTS.
Gestante
Outro ponto esclarecido nesta lei é que a gestante pode ter a contemplação dessas medidas de preservação de emprego e renda, ou seja, a gestante terá o gozo da estabilidade gestante e a garantia provisória decorrente desta lei.
Ressalta-se que havendo o nascimento da criança, restabelecerá o contrato com o salário devido e integral e assim, faz-se o afastamento para a licença maternidade.
Ocorrendo este evento, o empregador deverá comunicar ao Ministério da Economia.
Todo este procedimento também se aplica aos que obtiverem adoção ou guarda judicial para fins de adoção.
Aviso prévio
A lei trouxe a possibilidade de haver uma negociação entre as partes para optar pelo cancelamento do aviso prévio em curso, podendo adotar as medidas do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda.
Demissão sem justa causa no curso da garantia provisória de emprego
Importa-se lembrar que aquele quem demitir sem justa causa o empregado durante o curso da sua garantia provisória de emprego se sujeitará ao pagamento, além das parcelas rescisórias em vigor, as seguintes:
a) 50% (cinquenta por cento) do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 25% (vinte e cinco por cento) e inferior a 50% (cinquenta por cento);
b) 75% (setenta e cinco por cento) do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, na hipótese de redução de jornada de trabalho e de salário igual ou superior a 50% (cinquenta por cento) e inferior a 70%(setenta por cento); ou
c) 100% (cem por cento) do salário a que o empregado teria direito no período de garantia provisória no emprego, nas hipóteses de redução de jornada de trabalho e de salário em percentual igual ou superior a 70% (setenta por cento) ou de suspensão temporária do contrato de trabalho.
Redução do Empréstimo Consignado
Garante-se a repactuação das operações de empréstimos, de financiamentos, de cartões de crédito e de arrendamento mercantil concedidas por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil e contraídas com o desconto em folha de pagamento aos que sofrerem pela redução proporcional de jornada de trabalho e de salário, aos que tiverem os seus contratos de trabalho suspensos temporariamente e comprovar a contaminação pelo coronavirus por meio de laudo médico e exame de testagem.
Os trabalhadores dispensados até 31/12/2020 e que contrataram as operações ora mencionadas terão direito à novação dessas operações para um contrato de empréstimo pessoal, com o mesmo saldo devedor anterior e as mesmas condições de taxa de juros, encargos remuneratórios e garantias originalmente pactuadas, acrescida de carência de até 120 (cento e vinte) dias.
Fato do Príncipe
Com a decretação do estado de calamidade pública, houve uma interpretação sistemática da teoria do “Fato do Príncipe” quanto aos atos das autoridades municipais, estaduais e federais, ao editarem decretos que paralisam temporária ou definitivamente o trabalho em decorrência de força maior como motivo de rescisão contratual, reconhecendo a responsabilidade ao pagamento de indenização, nos termos do artigo 486 da CLT.
Todavia, a lei foi clara no sentido de que tal responsabilidade não pode ser atribuída ao governo responsável nas hipóteses de paralisação para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus.
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Diante do que fora trazido, observa-se que a lei, em grande parte, manteve dispositivos trazidos na MP 936/20, incluindo novidades para que as partes interessadas possam analisar a importância de adotar as medidas previstas nesta lei, no sentido de se adequar as novas formas de relação de trabalho na perspectiva pandêmica.
Cristiana Nascimento
Professora Universitária, Doutoranda em Direito do Trabalho (UFBA), Mestre em Direito (UFS) e Especialista em Direito do Trabalho (UNIDERP)
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